quarta-feira, 24 de setembro de 2008

ELE CORRE PARA ESCREVER ! MARATONISTA AOS 59

Der Spiegel 18.02.08




O escritor e esportista amador japonês Haruki Murakami, 59, fala sobre a solidão da corrida de longa distância, a tortura dos treinos diários e o reconhecimento de que sua carreira de escritor começou depois que ele correu pela primeira vez.

Spiegel: Sr. Murakami, o que é mais fatigante: escrever um romance ou correr uma maratona?
Murakami: Escrever é prazeroso, ao menos quase sempre. Eu escrevo por quatro horas todos os dias. Depois eu corro. De regra, 10 km. É bom fazer isso. Mas percorrer 42,195 km é duro, no entanto é uma dificuldade, uma agonia inevitável, a qual eu me entrego conscientemente. Para mim, este é o aspecto mais importante de correr uma maratona.
Spiegel: O que é mais belo: terminar um livro ou chegar ao fim de uma maratona?
Murakami: Colocar um ponto final em uma história é como o nascimento de um filho. Um autor mais feliz talvez possa escrever doze romances, eu não sei quantos livros ainda tenho em mim. Quatro? Cinco? Correndo eu não sinto qualquer limite. Publico um romance a cada quatro anos, mas todos os anos eu faço uma corrida de 10 km, uma meia maratona e uma maratona. Até agora completei 27 maratonas, a última em janeiro, e as de número 28, 29 e 30 naturalmente irão se seguir.

Spiegel: Você cresceu como filho único. Escrever é um trabalho solitário e você corre sempre sozinho. Há uma relação?
Murakami: Com certeza. Gosto de ficar sozinho. Ao contrário de minha esposa, não gosto de sociedade. Estou casado há 37 anos e é sempre uma batalha. No meu emprego anterior frequentemente eu trabalhava até o amanhecer, agora eu vou para a cama entre nove e dez horas.
Spiegel: Antes de tornar-se um autor, você tinha um bar de jazz em Tóquio. Como foi essa mudança radical?
Murakami: Eu ficava no bar, era meu trabalho manter conversas. Fiz isso por sete anos, mas não sou um homem de muitas palavras. Eu jurei que quando terminasse, conversaria apenas com as pessoas com as quais realmente tinha vontade.

Spiegel: Você é um escritor melhor porque corre?
Murakami: Certamente. Quanto mais meus músculos se fortalecem, mais lúcido torna-se meu espírito. Estou convencido de que os artistas que levam uma vida pouco saudável exaurem-se mais rápido. Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin foram heróis de minha juventude – eles morreram jovens, embora não o merecessem. Apenas gênios precoces como Mozart ou Pushkin merecem mortes precoces. Jimi Hendrix era bom, mas não muito inteligente, pois usava drogas. Trabalhos artísticos não são saudáveis, para compensar, os artistas devem viver de forma saudável.
Spiegel: Você pode esclarecer isso?
Murakami: Quando um escritor desenvolve uma história, ele confronta um veneno em seu interior. Quando você não possui esse veneno, sua história não tem inspiração. É como o Fugu, o baiacu é muito saboroso, maravilhoso, mas as ovas, o fígado e os intestinos podem ser letais. Minhas histórias encontram-se em um lugar escuro, perigoso, da minha consciência. Sinto o veneno em meu espírito, mas posso tolerar uma dose alta, porque tenho um corpo forte. Quando você é jovem, possui mais força para vencer o veneno sem treino. Aos 40 anos, a força diminui, você não supera o veneno se não vive de forma saudável.
Spiegel: J. D. Salinger tinha 32 anos quando seu único romance apareceu, “O apanhador no campo de centeio”. Ele estava muito fraco para seu veneno?
Murakami: Eu traduzi o livro para o japonês. É muito bom, mas incompleto. A história torna-se cada vez mais sombria, e o protagonista não encontra o caminho de volta do mundo sombrio. Acho que o próprio Salinger nunca o encontrou. Se ele teria se salvado pelo esporte? Não sei.

Spiegel: Você se depara com idéias para suas histórias enquanto corre?
Murakami: Não, não sou o tipo de autor que encontra a fonte de uma história de forma lúdica. Eu preciso cavar bem fundo para atingir o lugar sombrio em minha alma, onde as histórias estão escondidas. Também para isso preciso estar fisicamente forte. Desde que comecei a correr, posso me concentrar por mais tempo, o que também é necessário para percorrer o caminho das trevas. No trajeto, você encontra tudo: as imagens, os personagens, as metáforas. Se você estiver fisicamente fraco, faltará a força para agarrá-los e transportá-los para a superfície de sua consciência. Assim é, também, na corrida. Você precisa cruzar a reta final, custe o que custar.

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