Nos últimos quatro anos, o investimento externo no mercado imobiliário brasileiro cresceu 347%. Segundo um levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), há 4 milhões de hectares de terras na mão de estrangeiros (5,5 milhões, se forem consideradas as propriedades sem registro no órgão). O que, na calculadora, representa apenas 0,47% da área total do país, aos olhos de uma parcela do governo petista, é uma verdadeira invasão do território nacional.
A lei que rege a participação estrangeira em propriedades rurais é de 1971 e foi feita no espírito protecionista do regime militar. A regra, válida até hoje, estabelece que cidadãos de outros países podem ser donos de, no máximo, 5 000 hectares de terras. Dependendo do tamanho do município onde se encontra a propriedade, o limite pode ser ainda menor. Para empresas, a área não pode exceder 10 000 hectares.
Em algumas regiões, o agronegócio explodiu graças a essa nova figura jurídica. No oeste baiano, por exemplo, 20% da área agrícola é cultivada por grupos estrangeiros. "O interesse no exterior por terras brasileiras cresceu ainda mais com o recente aumento do preço dos alimentos", diz o especialista em direito agrário Márcio Mattos, de São Paulo.
Mas não é no oeste da Bahia, ou em outras regiões agrícolas, que reside a preocupação dos que vêem no avanço dos proprietários estrangeiros de terra uma ameaça à soberania nacional. A Amazônia é que é o problema. Volta e meia circulam boatos de que nações ricas têm planos de internacionalizar a Amazônia.
-como garantir que o estado brasileiro possa exercer sua soberania se os estrangeiros forem donos de grandes extensões do território? Soberania, numa definição ligeira, é a autoridade exclusiva que uma entidade política (o rei ou o estado republicano) tem sobre determinado território. A soberania pode ser interna, quando exerce o controle sobre o que ocorre dentro de suas fronteiras, ou externa, quando se refere à relação igualitária com outras entidades soberanas (ou seja, outros estados).
A soberania é um conceito tão maleável e relativo que, recentemente, dois países a usaram como justificativa para posições completamente opostas. Em agosto deste ano, o Exército da Geórgia, no Cáucaso, atacou milícias separatistas dentro do seu território, em uma tentativa legítima de recuperar a soberania perdida. Em resposta, a Rússia invadiu o país, com o argumento de que exercia o seu direito – soberano – de proteger os cidadãos russos que residem na Ossétia do Sul, a região separatista em questão.Ou seja, o estado russo teria o direito de usar a força para defender seu povo, onde quer que ele esteja. "Por essa lógica, o Exército brasileiro poderia entrar no Paraguai para proteger os brasiguaios, cujas fazendas estão sendo queimadas e saqueadas por sem-terra daquele país", diz o historiador Marco Antonio Villa, de São Paulo.
o fato é que a propriedade privada, esteja ou não na mão de estrangeiros, não é uma ameaça à soberania de um país – desde que o estado seja capaz de fiscalizar e controlar o seu uso. Na Amazônia, onde não se consegue coibir o tráfico de drogas nem obrigar os brasileiros natos a cumprir as leis ambientais, o que existe é um caso de omissão total no exercício da soberania por parte do estado.
Para mascarar a realidade, usa-se o fantasma, eivado de ideologia, da "ameaça estrangeira". "É mais fácil evocar a defesa da soberania, um termo com apelo popular que costuma ser associado ao sentimento de patriotismo, do que reconhecer a incompetência estatal para controlar o que acontece dentro do seu território", diz o paulista Fernando do Couto Henriques Júnior, doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo com uma tese sobre soberania.
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
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